domingo, 4 de janeiro de 2015

Sou árvore

Eu quero montar uma casa na árvore, com as melhores madeiras e com folhas bem verdes servindo de telhado, folhas espalhadas que protegem do sol ao mesmo tempo em que permitem a claridade entrar, uma luz esverdeada e com cheiro de clorofila que só eu vou saber identificar. Quero me deitar sobre a madeira rígida e observar a fotossíntese de cada uma das folhas, cada uma delas em um ritmo diferente, respirando em descompassos como um quartel militar durante a noite, com homens cansados ressonando pesadamente sobre seus travesseiros, cada um inspirando uma quantidade diferente de ar para dentro e expirando mais rápido ou mais lentamente, dependendo do estágio do sono.
Quero que as folhas me escondam do dia que passa por sobre mim, quero ignorar cada minuto de cada hora para viver no ritmo dos vegetais, quero criar raízes e viver em uma condição onde o tempo não exista, onde tudo seja apenas silêncio e ventania.
Quero ouvir os trovões horas antes de cair a tempestade, quero continuar deitada e me afogar com as gotas pesadas que ultrapassam a barreira de folhas e entram pelos buracos da cara. Não quero mais ser capaz de sentir frio ou calor, quero transformar meu oxigênio em alimento com o poder do pensamento, consumir os dias com os olhos, viver em simbiose com o chão e com a terra, me nutrir com a ideia de uma existência completamente implausível e letárgica, quero ter a disponibilidade necessária para saber quantas estrelas exatamente o ceu comporta e me despedir de uma por uma conforme forem desaparecendo, quero viver o suficiente para ver pelo menos uma estrela morrer.
Quero ficar deitada por cem ou até quase mil anos, quero que arqueólogos venham examinar meu corpo e contem as camadas de ossos circulares sobrepostas para descobrirem minha idade, quero produzir seiva e conduzir vida dentro das minhas veias, quero produzir vida e movimento sem sair do lugar, quero me deitar sob a árvore que eu escolher como a mais bonita e nunca mais me levantar.

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