segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Aos treze

Eu nunca deixei de ter treze anos.
Hoje eu me formei médica, e continuo tendo treze anos.
Meus instintos são ainda aqueles inatos, não adquiri muitas novas percepções, minha forma de amar é infantil e meu cérebro continua a funcionar no mesmo ritmo do de qualquer pré-adolescente confuso e desesperado por atenção. Meus sonhos são efêmeros e meus planos são de curto prazo, meus desejos são de uma rebeldia quase inocente. Tenho vontades que não cabem em mim e tenho quase a mesma quantidade de preguiça em buscá-las. Sou letárgica e ambiciosa, tenho muitas ideias e pouca disposição. O mundo ainda me apavora de formas inimagináveis, as pessoas me parecem absolutamente incompreensíveis e eu sigo na mesma direção que meus colegas como uma criança esquecida e perdida.
As pessoas da minha idade comemoram e celebram suas conquistas e sua maturidade, enquanto eu cruzo os dedos e fecho os olhos implorando para crescer, crescer rápido, crescer todos os anos de uma só vez, crescer antes que me percebam uma farsa e me escoltem de volta aos portões do colégio primário para tomar aulas de gramática e aritmética e conversar sobre o meu primeiro beijo.
É esperado de mim pensamentos de adulto e atitudes de adulto e eu estou tentando, juro que estou tentando, sou uma criança a frente do meu tempo, consigo me camuflar bem em meio aos adultos, mas preciso admitir que, mesmo velha e cheia de rugas, mesmo médica e cheia de responsabilidades, talvez eu nunca deixe de ter treze anos.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Não acredito em amor à primeira vista

Eu tenho esse dom peculiar de saber quando alguém veio para fazer parte da minha vida. É como em uma série de TV na qual, logo quando um personagem novo é apresentado, você consegue saber se ele irá se juntar ao elenco por toda a temporada ou se será apenas uma breve participação especial. Tem gente que desde o primeiro encontro tem cara de protagonista. Tem gente que, mesmo olhando de longe, você sabe que se encaixaria perfeitamente dentro do seu roteiro, gente que já tinha um papel antes mesmo daquele papel ser criado.
Eu tenho esse olhar treinado para triagem de protagonistas. Gosto de capturar pessoas em pensamento antes mesmo de trocar com elas qualquer palavra, gosto de saber e de dizer que soube desde o início.
Não obstante, protagonistas são criaturas difíceis de serem encontradas, não aparecem com placas e luzes neon a cada virar de esquina e, entre um protagonista e outro, nos viramos com os coadjuvantes. Não me levem a mal, coadjuvantes são essenciais para o desenrolar de qualquer história, muitas vezes são promovidos a personagens mais do que essenciais e ganham prêmios, aplausos e fã-clube. Entretanto, você olha um coadjuvante pela primeira vez e sabe que ele jamais será um protagonista, sabe que, em breve, ele cairá em um poço de elevador, se mudará inesperadamente para a sibéria ou simplesmente irá se afastar e vocês perderão o contato até mesmo pelo facebook, sem qualquer curtida de foto residual.
O olhar de um coadjuvante não paralisa ninguém, não dá frio na barriga, não te faz perder o apetite. O toque de um coadjuvante não tem eletricidade, te cobre da mesma forma como te cobriria um lençol, sem alterar os batimentos cardíacos ou a permeabilidade da pele, sem desorganizar as células. A conversa de um coadjuvante não tem qualquer propriedade mágica, não pode te teletransportar para o futuro ou mesmo para um planeta distante, as piadas de um coadjuvante só terão graça se forem mesmo engraçadas e nem todos os seus assuntos serão interessantes.
Eu consigo gostar de determinadas pessoas antes mesmo de gostar, consigo saber com extrema precisão quem são aquelas que me pertencem e as que jamais me pertencerão. Eu tenho esse dom peculiar de saber quando alguém veio para fazer parte da minha vida e, um dia, quando você menos esperar, eu vou te olhar e dizer que já sabia desde o início.

sábado, 25 de outubro de 2014

1/3 de gente

Eu nunca fui uma pessoa completa. Há anos venho colecionando pedaços de pessoas, pedaços pequenos que furto enquanto ninguém está olhando, espero o momento exato em que alguém encontra-se distraído e arranco um fragmento que acho que não irá lhe fazer falta. Vejo as pessoas ao meu redor como imensas lojas de departamento que deixam em suas vitrines uma permanente exibição de fragmentos de si mesmas, fragmentos que eu preciso desesperadamente adquirir para colar em meu próprio corpo.
Minha pele é um quebra-cabeças cheio de peças faltando, roubo centenas e milhares de pedaços e tento encaixá-los todos em mim, pedaços tão simétricos e arredondados que demoram um tempo incomodamente longo para alinharem-se junto aos meus espaços disformes e com limites mal definidos.
Me encanto por pessoas inteiras e me dedico a desmontá-las aos poucos, me apaixono por seus pedaços e não consigo controlar minha vontade de embaralhá-los, de tirá-los do lugar, de espalhá-los pelo chão da casa ou jogá-los pela janela em um dia de ventania. Me aproximo de pessoas inteiras apenas para que me permitam rolar sobre seus pedaços e torná-las um pouco menos harmônicas, um pouco menos estáveis dentro de seus corpos. Quero ganhar de presente de natal pedaços de pessoas que um dia foram inteiras embrulhados em papel colorido e andar de mãos dadas somente com aquelas que ficaram tão despedaçadas quanto eu.

sábado, 20 de setembro de 2014

Manjericão

estou criando uma planta
venenosa, no quintal
e separo com uma tábua de madeira
a planta do resto da casa
não quero me esquecer por acidente
qual das plantas é a nova planta
e arrancar algumas de suas folhas
para colocar na comida
pensando que a planta venenosa
é um dos pés de manjericão

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Desnamorados

"Um livro colaborativo sobre o amor", e é isso mesmo, nem vou tentar dar uma explicação melhor ou mais elaborada. Aqui está o link para o vídeo explicando melhor como o livrinho nasceu: http://vimeo.com/88946380 e achei muito bonito poder fazer parte desse projeto tão bacana e cheio de textos inspiradíssimos sobre o amor (e de finalmente ter o livro físico em mãos).
O livro está à venda aqui:  http://loja.editoraempireo.com.br/
E o meu textinho, a quem interessar possa, é esse aqui:
 


Se não gostaram do meu, não desanimem, porque tem muita coisa ótima escrita nesse livro e vale a pena ter em casa sim, ok?

sábado, 2 de agosto de 2014

O amor moderno

sonhei com você
três vezes essa semana
e decidi te deixar escolher
o melhor lado da nossa cama

já decorei o seu sorriso
dente por dente
sei recitar o seu telefone
de trás para frente

posso preencher seu formulário do hospital
se você ficar doente
sei das suas alergias
e das alergias dos seus parentes

tenho cópias da sua carteira de motorista
coloridas e em preto e branco
sei que não gosta de poesia
e que assiste filmes do James Franco

comprei um rastreador
para implantar na sua pele
e controlar seus movimentos
via satélite

você vai esbarrar comigo
pensando que foi sem querer
eu vou sorrir e dizer
"que prazer em te conhecer"


sexta-feira, 27 de junho de 2014

A gente esquece

A gente esquece. A gente esquece onde guardou as chaves, o que comeu ontem no almoço, o aniversário de um amigo próximo, o endereço de um amigo antigo, o telefone do primeiro apartamento em que morava, o que estava fazendo no dia onze de setembro, como era a vista da janela antes de construírem um prédio na frente, a cor dos olhos de alguém, o ano de um furacão ou tsunami, a gente esquece na gaveta a carta que nunca colocou no correio e o aparelho celular dentro do táxi, as fotos que não couberam em álbuns, as roupas que eram moda há dez anos atrás, a senha do cartão de crédito, o melhor verão da sua vida, o inverno mais frio, o gosto da comida do avião, a voz de alguém que já morreu, o caminho da escola, os filmes de suspense, as comédias românticas, as regras dos jogos de tabuleiro, a receita do bolo de cenoura, o ano das últimas eleições, as piadas das quais achava graça, os livros com citações grifadas, o gosto de um beijo, o cheiro de um perfume, as rimas de um poema, o porquê de ter se apaixonado, as fórmulas matemáticas, as letras de uma música, o nome de um conhecido, o preço do jornal de sempre, o rosto do motorista do ônibus parador. A gente esquece gente que a gente nunca achou que fosse esquecer e a gente esquece como é difícil esquecer um tanto de coisas que a gente quer esquecer. A gente simplesmente esquece e também esquece de esquecer.

terça-feira, 10 de junho de 2014

Inverno no rio

No rio de janeiro você não precisa de ninguém para te aquecer, faz calor aqui o ano inteiro, e os poucos dias de inverno são insuficientes para te fazer esquecer que o bom mesmo é dormir sem roupas e sem braços quentes duplicando o seu suor. O ventilador dos quartos constantemente ligado me provoca uma inveja dolorosa das cidades que proporcionam aos seus habitantes ao menos um ou dois meses de frio, mas quem vive no calor sabe bem como usar panfletos de papelão duro para se abanar e como arranjar os momentos de isolamento indispensáveis para encontrar suas pequenas alegrias diárias.
Eu, particularmente, gosto das camas enormes e desnecessárias em que não faz diferença se mais alguém dormir ou não ali, você pode dormir com os braços abertos e pegar todo para você o pouco de vento que a madrugada oferece, gosto das pessoas que não ultrapassam o limite implicitamente demarcado, gosto dos ônibus vazios e de maldizer as pessoas que sentam-se ao meu lado transmitindo o calor do corpo através do estofado, gosto de andar pela rua sem dar as mãos e sem precisar secar o suor de alguém na minha própria calça, gosto de acenar de longe e de mandar mensagens de texto, de comentar sobre um filme bom que eu vi sozinha no meu quarto com o ar-condicionado ligado, gosto das pessoas que conversam sem te tocar, gosto de pegar com a colher o sorvete meio derretido que escorre para o fundo do pote sem ninguém me observar, gosto de deitar no chão da cozinha para me refrescar e de grudar a língua na parte interna do congelador.
Nós que somos cariocas aprendemos desde pequenos a independência que o calor traz, aprendemos a montar piscinas improvisadas que só comportam uma pessoa, aprendemos a encontrar sozinhos o caminho de volta do mar até a barraca dos nossos pais, aprendemos a mentir e trair amizades para tomar banhos longos e desejados, aprendemos boas técnicas para abrir garrafas de cerveja, aprendemos a levar na bolsa uma muda de roupas para emergências e, principalmente, aprendemos a usar os melhores cubos de gelo no nosso próprio copo.
No rio de janeiro não tem chocolate quente e não tem hora do chá, não tem dormir abraçado e não tem lareira ou coberta de lã, a gente dorme sem meia e arde a pele quando encosta em outro pé, não tem festa no telhado e não tem dia de neve para ligar para alguém que queira ficar com você de casaco e enrolado, no rio de janeiro você tem que ficar com alguém por amor mesmo, não para se esquentar.

domingo, 1 de junho de 2014

Mas eu não quis

lembro exatamente daquele dia
em que você me pediu um beijo
e eu dei risada
ri tanto e ri tão alto
que a festa inteira ouviu
e quiseram saber também
o motivo da gargalhada
você me olhou sorrindo
eu achei que não estava errada
e que o beijo era um pedido falso
de uma amizade descomplicada

mas hoje me lembro ainda
que eu poderia ter te beijado
se eu quisesse

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Poesia para quem não sabe ler

escrevo cartas
e poemas
e novelas
e roteiros

escrevo datas
e recados
e bilhetes
e listas de compras

escrevo todos os dias
e escrevo de vez em quando

você não sabe ler
e não quer aprender
é analfabeto e assina o nome,
assiste filmes, dorme e come

eu escrevo
e você nem sabe
da existência das minhas palavras,
pensa que sou também analfabeta
e que não sei escrever
igual a você

você não sabe me ler
e eu não sei te ensinar a aprender