terça-feira, 21 de abril de 2015

O primeiro amor

Todo mundo merecia ser o primeiro amor de alguém.
Todo mundo deveria ser capaz de despertar, ao menos uma vez, um amor tão intenso e desesperado que, por sessenta ou cento e vinte anos, te fizesse ser lembrado como o melhor beijo, o melhor cheiro, o melhor passeio de mãos dadas. Todo mundo deveria poder conseguir sentir o coração de alguém bater forte pela primeira vez, como se esse alguém o tivesse arrancado do peito e colocado em suas mãos, te deixando responsável por realizar, a cada minuto, as noventa e cinco contrações necessárias para manter a vida naquele corpo. É inebriante a sensação de bombear o sangue de outra pessoa.
Você merecia ser o meu primeiro amor, merecia bombear o meu sangue e destruir uma a uma as minhas pequenas ilusões. Você merecia tomar posse dos meus pensamentos e clamar crédito pela minha existência, merecia cada dilatação de pupila e respiração profunda que eu fosse capaz de realizar. Você merecia olhares apaixonados durante o jantar e telefonemas embriagados na madrugada, merecia alguém que conseguisse enxergar a sombra de um coelho na lua simplesmente por estar na sua companhia, merecia uma primeira tentativa de escrever poesia.
Eu olho através do seu discurso inocente e consigo enxergar com clareza que você, mais do que ninguém, é o tipo de pessoa que merecia ser o primeiro amor de alguém. Mas eu já tive um primeiro amor e já fui o primeiro amor de alguém, troquei sangue, suor e saliva de formas irreversíveis; meu coração há muito contrai-se involuntariamente e meus reflexos não são nada menos do que automáticos, nada depende de você, já fui dessensibilizada para a realidade e não sei se existe uma forma de amar novamente pela primeira vez.
Desejo que você seja o primeiro amor de alguém, mesmo que nunca venha a ser o meu.