Eu gosto de pessoas que detestam seus empregos, pessoas miseráveis e
sem rumo que fazem com que eu seja um escape útil e necessário, que me
transformam em oportunidade em meio a um mundo aparentemente rígido e
fechado, pessoas interesseiras e mesquinhas que, sem qualquer disfarce,
me usam como fuga, como festa ou feriado.
Não sinto que haja
espaço para mim na vida de pessoas completas, eu não me encaixo no
sorriso fácil ao fim de uma segunda-feira, tudo o que vai além de uma
rotina infeliz está fora do meu alcance, minha função é preencher
vazios, me espalhar por frestas, fazer parte dos grandes blocos de
domingo e das massas de ar quente. Pessoas felizes no trabalho não
precisam dos meus remendos ou da minha companhia silenciosa, pessoas
felizes no trabalho não conseguem ver qualquer valor no meu discurso
parco ou nos meus movimentos em câmera lenta.
Eu faço muito pouco
barulho, tenho dedos gelados e ando na ponta dos pés, o meu ritmo é de
cozimento, nunca ebulição. A insatisfação é o único sentimento que
permite a minha existência, fora dela eu desenrolo, desenlaço, me perco
no colchão. Pessoas satisfeitas não têm paciência para me esperar, para
me ouvir, para me acalmar, pessoas satisfeitas estão sempre satisfeitas
demais para deixarem que eu provoque nelas algum tipo de satisfação.