segunda-feira, 30 de julho de 2012

Seis


Às vezes meu corpo inteiro dói na hora de respirar, e aí, então, eu sei que estou pensando em você. Que engraçado, nosso reconhecimento agora é feito pela eletricidade dos impulsos dolorosos, pelo choque dos nervos mais expostos, aqueles mesmos nervos que encostamos sem querer nas quinas das mesas e que nos trazem inesperada agonia. O nervo fica latejando por um tempo até passar, eu fico também – latejando –, uma vez, duas vezes, três vezes, você não vai abrir a porta? Meu corpo está vazio e dói. Já passou aquela inflamação da qual eu tanto estava reclamando, minha pele, inclusive, nunca esteve tão branca. Estou perdendo a cor como se tivesse mergulhado em um balde de cloro, pode perguntar para qualquer um, não estou exagerando. Estou em despigmentação contínua. Meu corpo está tentando me curar de você, mas, que incompetente, só me faz empalidecer, e doer. Não é uma dor espiritual, preciso que essa parte você entenda bem, não quero projetar em você alguma suposta culpa por lacerar minha alma ou qualquer coisa dramática assim, o que eu sou por dentro está intacto (ou tão intacto quanto a poluição do ar e os excessos do cotidiano permitem que esteja), eu nunca deixei que você chegasse até lá. O que dói é a minha superfície, o revestimento dos meus órgãos e as células que já morreram e que eu não deixo irem embora, você sabia que a cada mês a pele inteira se renova?, ela se ocupa com a divisão, mas de vez em quando dói mesmo, e eu nem preciso pisar em pregos nem nada. Meus joelhos também já não dobram com muita facilidade, meu pescoço faz um barulho incômodo sempre que eu preciso olhar para o lado, meus pulmões rasgam o diafragma toda vez que querem expandir, e como expandem estes pulmões, são quase dezenove mil e duzentos rasgos por dia, vinte e oito mil e quinhentos se você for contar a madrugada, e é isso o que mais me dói – ou o que dói de verdade. Então, quer dizer, se eu for falar com a maior sinceridade, não me dói tanto assim a pele, o baço ou a falta que você me faz, a única coisa que me dói é respirar.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Bem simples

A vida não é simples. Não é simples, não é simples, não é simples, pronto, neguei a simplicidade da vida três vezes, não sei se isso significou alguma coisa para você, mas não adianta você me mandar olhar o mar, dar uma volta na praia ou passar filtro solar, eu não vou mudar de opinião. Tudo bem, a vida pode não ser simples, mas precisa mesmo ser complicada?, você vai perguntar, pois eu digo que sim, tem que ser complicada! E muito! Quanto mais impossível de se desentranhar das complicações da vida, melhor.
Eu não quero que ninguém me mande seguir em frente, eu não quero limpar a minha mente, não quero sorrir para estranhos na rua, não quero acordar e me dar bom-dia, não quero desperdiçar meu bom-humor com a minha família. Não quero amar as pessoas como elas são, as pessoas são muito chatas, quero mais é que elas mudem. Imagina, se todo mundo inventar de ter uma personalidade não vai ter mais ninguém para participar dos reality shows.
Eu gosto de olhar para trás e me atracar com o passado, não me importo em me despedir duas vezes e ainda acordar do seu lado, não quero esquecer quem me fez sofrer, aliás, quer saber, volte aqui, me faça sofrer de novo, me faça sofrer demais. Não, eu não quero aprender com os meus erros, muito obrigada, pretendo errar quantas vezes por dia eu for capaz, vamos competir para ver quem erra mais.
Eu só vou dar atenção para o começo e o fim, tirem da minha frente esse meio e, por favor, parem de me falar para ter coragem, parem de supor que eu preciso de paz, não estou nem aí para os pequenos detalhes, quero somente os gestos grandes, quero problemas enormes, quero arrombar sua casa e destruir a mobília, quero virar marginal e, quem sabe, arruinar nossas vidas. Porque, você sabe, a vida não é simples, e eu faço questão de que ela continue assim.