sábado, 27 de novembro de 2010

Calma que fica pior, quer dizer, melhor... eu acho.

Sei que eu devia estar aqui falando loucamente sobre diagnósticos e sangue e todas as nojeiras incríveis que você espera ouvir de alguém que faz medicina, mas eu, na verdade, ainda não faço nada. Não sei nada. Não sei dizer o que dizer se alguém vier me perguntar como tratar de gripe. Não sei o que fazer se alguém cortar a mão com uma faca de legumes perto de mim. Eu ainda não sei fazer absolutamente nada. E isso, por incrível que pareça, não me incomoda. Isso não me incomoda porque me assusta o dia que eu vou precisar fazer as coisas e não vou poder dizer que não sei. Me assusta o dia que alguém vai depender de mim pra alguma coisa e eu vou ter que saber, não vai ter jeito, eu vou ter que saber dizer alguma coisa, fazer alguma coisa, qualquer coisa.
Me assusta pensar que esse dia, que parece longe, na verdade está bem perto, e eu tenho medo de não conseguir.
E então, pensando nisso, comecei a lembrar da época em que eu fazia teatro e aprendi a fazer um monte de coisas que eu não entendia e que achava que não seria capaz de fazer e que, agora, lembrando, me fazem sentir até uma certa nostalgia de quão simples era aquilo tudo (na verdade uma nostalgia bem grande daquelas que fazem você querer voltar praquele lugar amanhã mesmo). Um monte de coisas que me pareciam absurdas e desnecessárias naquele momento, mas que agora vejo como algo que, possivelmente (provavelmente), acrescentou alguma coisa à minha personalidade.
Deixe-me ilustrar: no início da aula, a professora nos fazia ficar andando pelo palco de um lado para o outro sem poder olhar para o chão. Tínhamos que andar com a cabeça erguida, fazendo contato visual com todos os outros alunos que vinham na direção contrária. Às vezes vinha aquele impulso de olhar pro chão, de ver pra onde meus pés estavam indo, ou de simplesmente não ter que encarar aquela pessoa com a qual eu não tinha a menor intimidade, mas logo era repreendida, e com o tempo aquilo foi ficando mais natural. Tão natural que, hoje em dia, eu ando pela rua e vou tropeçando por todos os cantos, quebrando vários membros e pisando em largas poças d'água porque não olho por onde ando.
Um outro exercício que eu não entendia de jeito nenhum era um do final da aula. A professora organizava os alunos em uma roda e todos tinham que começar a bater palmas para o nada. As palmas só acabavam depois que todos tinham pulado para o meio da roda e feito um sinal de agradecimento, como se tivessem acabado de apresentar um espetáculo. Eu só conseguia taquicardias por cogitar a possibilidade de entrar naquela roda. Só conseguia pensar "Essa professora está tentando me matar e SÉRIO, ela vai conseguir me matar. Talvez se eu ficar bem quietinha aqui na minha batendo palmas as pessoas vão esquecer que eu..."OPS, quando eu menos esperava alguém já tinha me empurrado para o meio da roda pra aula acabar logo e eu acabava fazendo alguma coisa bem sem graça e desengonçada, só querendo voltar logo pro meu lugar seguro, longe do meio da roda. Sempre esbanjei simpatia assim.
Tinha uns tantos outros, o exercício da respiração em que você ficava deitado e tinha que sentir a respiração e todos os outros órgãos funcionando; o da sementinha, que você ficava encolhidinha no palco e tinha que ir levantando devagarinho até virar sei lá uma árvore; o de tentar vender um objeto qualquer de dentro da sua bolsa sozinha no palco, e eu sempre tentava vender band-aids porque acho que nunca entendi o conceito desse exercício; o de ler um texto quase que gritando naquela salinha minúscula fingindo que estava num grande auditótio e o microfone tinha quebrado. Enfim, várias coisas que eu achava desagradável, que me faziam querer sumir por ter que encarar outros seres humanos naquela situação ridícula, que eu achava meio nada a ver, mas que praquele momento, praquele contexto tinham tudo a ver e acabaram sendo coisas que eu levei pra vida. Nossa, que clichê, esse texto poderia estar em formato power point que ninguém se surpreenderia, né.
Mas é verdade, o teatro, que era pra ser uma coisa só pra quebrar minha casca, pra me transformar numa pessoa mais sociável e menos tímida e que, no início, parecia uma tortura com platéia, acabou sendo uma das coisas que mais definiu minha personalidade. Virou uma parte de mim que eu nem percebo que está lá, mas que fico feliz que esteja. Essas coisas que me vêm à mente assim em paradoxos clichês são como se eu tivesse repetindo pra mim mesma, sem vergonha de ser brega, aquele ditado popular que diz que "há males que vem para o bem" e simplesmente dizendo "oi, Bem". Podem me processar por isso, mas o que é a vida senão um grande clichezão né?

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