quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Sobre o egoísmo

Quando eu era pequena, tinha medo de que minha mãe morresse, pois, sem ela, eu não teria para quem dizer que eu tinha medo de morrer. Já nasci egoísta. Nasci entre a nata dos seres humanos imperfeitos, entre aqueles predestinados a espalhar pelo planeta todos os sentimentos ruins que homens e mulheres tentam desesperadamente varrer para debaixo do tapete gigante que recobre a vida em sociedade, trazer de volta à superfície o que fica camuflado nos sorrisos educados e roupas sociais desses homens e mulheres que comem verduras, não ultrapassam sinal vermelho, seguem dez mandamentos, costuram as próprias meias e fazem compras de natal, seres humanos que já vieram com seus compassos morais acertados e não precisaram que ninguém lhes ensinasse conceitos de compaixão e altruísmo, minha missão na Terra é simplesmente contaminá-los pouco a pouco, envenená-los diariamente com doses mínimas de realidade, tirá-los das capelas douradas por dez minutos ao dia para pegar ar fresco, minha missão é destrui-los enquanto aprendo com eles.
O egoísmo, na minha opinião, é uma atitude bastante orgânica e intrínseca à nossa existência, provoca em nós sensações que nos aproxima, infinitamente mais do que qualquer prece ou aula de meditação, do propósito original para que fomos designados (i.e. sobreviver) e nos afasta de uma superficialidade coletiva, de uma constante pressão para alterarmos tudo de instintivo que existe em nós, da esmagadora necessidade de sermos bons o tempo inteiro, mas o mundo contemporâneo não quer nada orgânico de nós.
Eu nasci para sobreviver, tudo em mim indica isso, o egoísmo é o meu prêmio evolutivo, é a minha mutação, sou o mais autocentrado dos seres vivos e não teria como ser diferente, tudo o que eu conheço sou eu, tudo o que os outros são parte de mim e somente o que parte de mim pode realmente existir. Eu nasci de armadura e espingarda nas terras de Darwin.
Eu precisei que me dissessem que era proibido roubar, que matar estava fora de questão e que o amor não precisa ser atacado e exterminado, nada disso veio de fábrica, precisei que me ensinassem tudo, cada norma, cada lei, cada coreografia para conseguir me misturar no cenário atual sem chamar atenção, nada me veio passivamente, nada além do egoísmo, que ainda é a única coisa que, hoje em dia, me parece natural. Sigo contaminando.

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