domingo, 28 de julho de 2013

Fontanelas

A cabeça nasce com um buraco no meio, dois, na verdade, seis, se quisermos entrar em detalhes. A cabeça nasce com espaço para crescer mais. Chegamos ao mundo com alguns reflexos, muita fome e a cabeça aberta, aberta em uma via de mão dupla, aberta para o bom, o mau e o feio, aberta para os sorrisos e para as pancadas, aberta para os lobos e para os macacos. Por esse motivo, seguramos as crianças em lençóis apertados, a cabeça é aberta, se cair, amassa.
A cabeça permanece aberta até mais ou menos a metade do primeiro ano de vida, um ano e meio para a liberdade completa do fluxo de informações, para o amor ir e vir conforme sua vontade, para se decidir se fica todo do lado de fora ou se permite que um pouco permaneça lá dentro. E, então, prazo concluído, a cabeça fecha, a criança cresce, a cabeça cresce junto, mas cresce já fechada, com apenas os buracos das narinas e ouvidos para deixar a novidade entrar, muito se perde nas tortuosidades do conduto auditivo e no oco do nariz, não é mais como nos tempos de cabeça aberta em que tudo podia entrar ou sair pelo meio, através da aflitiva e subestimada moleira, o crescimento cria um filtro para a entrada e a saída de informações e de sentimentos e de secreções, o crescimento é rígido e mais demorado de se contornar, é preciso forçar o que se quer colocar na cabeça com certa insistência, é preciso limpar as orelhas com algodão seco e assoar o nariz durante o banho, os canais precisam estar livres depois que a cabeça se torna lacrada.
Mais complicado do que introduzir algo por entre esses ossos fundidos e pouco aerados é retirar o que foi enfiado ali dentro, o cérebro é repleto de labirintos, ou melhor, mergulhando no clichê da cabeça e da infância, o cérebro é um grande labirinto, e o que foi lançado em seu meio dificilmente sai ou retorna ao exterior completamente intacto, é preciso chacoalhar demais a cabeça, ou serrar o osso em partes e abrir tudo de novo, fazer buracos com parafusos e martelos, ou mesmo usar da força para parti-la pela metade, mas a verdade é que ninguém considera muito a ideia de reabrir a cabeça, a concepção geral é de que é a parte do corpo mais dura e também mais delicada, uma vez já completamente suturada, as pessoas têm medo de abri-la outra vez, só o fazem nos casos extremos de câncer ou acidente, de resto, a cabeça encontra-se cronicamente fechada e, sendo assim, deve-se tomar um mínimo de cuidado com as ideologias e os amores que são sugados para dentro, a cirurgia não parece realmente uma opção, e é arriscado esperar que o tempo faça tudo se confundir e se perder por entre os milhares de sulcos e reentrâncias, pois, aliás, nada se perde, tudo se transforma, não é mesmo?

2 comentários:

  1. entendi que um amor não se tira da cabeça. mas ele deveria se transformar? em que?

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    1. "Amor, então,
      também acaba?
      Não, que eu saiba.
      O que eu sei
      é que se transforma
      numa matéria-prima
      que a vida se encarrega
      de transformar em raiva.
      Ou em rima."
      (Leminski)

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