sábado, 25 de outubro de 2014

1/3 de gente

Eu nunca fui uma pessoa completa. Há anos venho colecionando pedaços de pessoas, pedaços pequenos que furto enquanto ninguém está olhando, espero o momento exato em que alguém encontra-se distraído e arranco um fragmento que acho que não irá lhe fazer falta. Vejo as pessoas ao meu redor como imensas lojas de departamento que deixam em suas vitrines uma permanente exibição de fragmentos de si mesmas, fragmentos que eu preciso desesperadamente adquirir para colar em meu próprio corpo.
Minha pele é um quebra-cabeças cheio de peças faltando, roubo centenas e milhares de pedaços e tento encaixá-los todos em mim, pedaços tão simétricos e arredondados que demoram um tempo incomodamente longo para alinharem-se junto aos meus espaços disformes e com limites mal definidos.
Me encanto por pessoas inteiras e me dedico a desmontá-las aos poucos, me apaixono por seus pedaços e não consigo controlar minha vontade de embaralhá-los, de tirá-los do lugar, de espalhá-los pelo chão da casa ou jogá-los pela janela em um dia de ventania. Me aproximo de pessoas inteiras apenas para que me permitam rolar sobre seus pedaços e torná-las um pouco menos harmônicas, um pouco menos estáveis dentro de seus corpos. Quero ganhar de presente de natal pedaços de pessoas que um dia foram inteiras embrulhados em papel colorido e andar de mãos dadas somente com aquelas que ficaram tão despedaçadas quanto eu.

Um comentário:

  1. Eu ainda me impressiono com seus textos, não sei por quê. É de uma sensibilidade incrível, que traz paz.

    Continue escrevendo, por favor.

    Um beijo, @qualsabrina

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