segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Sobre o otimismo e as ruas de pedra

Eu conheci um otimista na infância. Ele era um pouco mais baixo do que eu, tinha olhos claros e a pele vermelha, falava baixo e nunca mostrava os dentes durante as refeições. Nós crescemos juntos, passando todos os verões, até o princípio da puberdade, viajando para a região dos lagos para aproveitar melhor o sol. Ele me dizia que o otimismo tinha quatro pares de patas e me mostrava cada uma delas na areia, saindo de um cilindro assimétrico que desenhava com o dedo, pois naquela época eu não sabia ainda fazer contas e precisava ver que eram oito com clareza para entender como podia o otimismo subir pelas paredes e tecer em apenas uma noite enormes teias de seda para se pendurar no teto.
Aos treze anos, mais ou menos, ele me disse que não mais me acompanharia nas viagens de fim de ano e, quando perguntei o porquê, apenas me disse que preferia as ruas asfaltadas entre as feitas de pedra. Não soube dele desde então e, no ano seguinte, resolvi criar dentro de um pote de plástico com algodão molhado o meu próprio otimismo.
Meu pequeno otimismo cresceu com um esqueleto rígido envolvendo seu corpo diminuto e se alimentava uma vez por dia de pequenas porções de rotina que eu colocava na beirada do seu algodão. Em pouco tempo, cresceram nele presas curtas e enegrecidas as quais enfiava com alegria nas pequenas bolotinhas de rotina, desenvolvendo o estranho hábito de sugar de uma só vez seu conteúdo mole e gratificante, deixando penduradas no tecido que contornava o plástico carcaças recheadas de um tédio pegajoso que introduzia no lugar e envoltas em fios de desespero que desenrolava da própria saliva.
Meu otimismo, então, tinha quatro pares de patas, três segmentos de corpo e um esqueleto sólido envolvendo o tórax. Vivia nos pequenos paraísos de escuridão do meu quarto e entrava nos sapatos suados e impregnados de boas intenções passadas de prazo que eu costumava colocar para arejar em algum desses cantos aonde o frescor da madrugada fazia a curva durante a noite; entrava nos sapatos e esperava pacientemente para inocular suas toxinas na minha pele vulnerável quando eu chegava para esmagá-lo pela manhã.
Demorou bastante tempo até que eu compreendesse que o otimismo é a ruína da rotina e do convívio diário e percebesse que os otimistas, dentre as suas tantas peculiaridades, jamais andam olhando para o chão e, por isso, enfiam os saltos nas porções de terra entre os calços das ruas de pedra.
Portanto, antes que me arrancasse o privilégio de andar de cabeça baixa e de contar as vezes que meus pés tocam as linhas da calçada, resolvi que não podia mais criar a criatura selvagem dentro de um apartamento (talvez se eu morasse em uma casa com jardim, quem sabe). Deixei meu otimismo em um retiro de artistas, para que não se consuma sozinho com suas próprias expectativas, para que emoldure seus sonhos e os pendure em uma parede amarela de tinta e velhice, para que assista o desengano alheio explodindo em uma constante festa de despedida ao seu redor e não se sinta tão sozinho como na minha gaveta ou no meu sapato, comendo do pouco que restou dentro de mim para alimentá-lo além da realidade.

4 comentários:

  1. um dos mais bonitos, entre todos os seus posts que li, até agora. Parabéns! Se a medicina não vingar, tá aí uma coisa que já vingou.

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  2. Muito lindo!
    Parabéns!
    Volte sempre que Nossa Literatura agradece.

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  3. Adorei! Estou seguindo... A partir de agora sempre passarei por aqui. :)
    Beijos, parabéns.

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