eu deito na cama
murmurando as falas
de cada besteira que
te ouvi contar
quero lembrar dos inícios
e das partes que pareciam pouco
importantes
para quando estivermos de pé
no meio de uma roda de amigos
eu possa pedir
as suas melhores histórias
e te ouvir de novo
como alguém que assiste ao show
da sua banda favorita
com a ilusão orgulhosa de ter sido
o primeiro a descobri-la
sábado, 16 de abril de 2016
domingo, 14 de fevereiro de 2016
Fevereiro
Você pode me levar para o meio da rua e me deixar parada esperando o carro de som passar ao nosso redor, por cima da gente, por todos os lados, gente que não acaba mais, pulando, suando, jogando papel colorido para o alto e rebolando até o chão, gente bêbada e feliz, gente que preferia estar em casa e gente que não dorme há três dias com as pernas doendo de tanto desfilar na avenida, gente que se ama dividindo a lata de cerveja pra ela não esquentar e gente que se beija apaixonadamente antes mesmo de se conhecer, gente velha e gente nova e gente que se chateia quando os outros param no meio da rua lotada e atrapalham a passagem, gente claustrofóbica como eu e gente como você que traz um punhado de ar fresco para dentro do caos de uma multidão sorridente e desesperada. Você é livre para brincar de carnaval e usar em cada um dos dias uma nova fantasia, livre para comprar tinta vermelha, se enrolar em serpentina e beijar outras mulheres. Você pode ir e pode voltar, quantas vezes quiser, pode comer, dançar, beber, cair e levantar, pode segurar a minha mão e me ajudar a respirar. E você pode porque você é carnaval o ano inteiro, você é aquela batida do surdo que o corpo segue involuntariamente, é bloco de rua, é Marquês de Sapucaí, é o tio sem graça que todo ano quer ver a Mangueira entrar, é o pé imundo depois de pisar em lama e confete, é a purpurina que não sai com o banho, é o ensaio da escola de samba que começa em setembro, você é fevereiro todo mês, o ano inteiro.
segunda-feira, 21 de dezembro de 2015
Infelizes ingratos
Todos os dias a igreja perto da minha casa bate o sino por volta das seis e quinze da tarde. Nunca é exatamente às seis e quinze, às vezes é seis e dezesseis, seis e dezoito e já chegou ao recorde de seis e vinte e dois. Nunca é antes das seis ou depois das seis e meia, é um pacto velado entre os quatro religiosos habituais e os moradores do quarteirão: bate, bate, bate, bate, nunca contei quantas vezes, mas bate bastante, perturba todo mundo e a vida segue de volta ao normal.
Me impressiona ainda ter que ouvir sinos de igreja descompassados em pleno dois-mil-e-quinze-quase-dezesseis; que marcassem uma hora ou rezassem quietos, curtindo suas próprias preces, como os bons narcisistas-descolados-demais-para-interagir-com-outros-seres-humanos da nova geração, eu penso, mas me pego, vez ou outra, apostando comigo mesma qual será a hora em que vai começar a badalação do dia, deixo afazeres para antes ou depois e aproveito para fazer um lanche bem na hora da bateção, aproveitando para encobrir o barulho do microondas e não ter que dividir a comida.
Hoje o sino não tocou e eu fiquei um tanto desapontada, quis ir lá perguntar se estava tudo bem com o padre ou corcunda de Notre-Dame, oferecer um copo d'água e pedir, encarecidamente, que não saísse assim tão abruptamente da nossa rotina, pois não costumo usar despertadores para dar fim às sonecas da tarde; pensei em pedir que passasse aqui em casa e interfonasse quando preferisse encher a cara com o vinho da comunhão e não estivesse muito a fim de tocar sinos que ninguém presta atenção (eu presto atenção). É estranhamente agradável, em uma vida pautada na desorganização e nos pequenos desapegos diários, se irritar com uma mesma coisa todos os dias.
Me impressiona ainda ter que ouvir sinos de igreja descompassados em pleno dois-mil-e-quinze-quase-dezesseis; que marcassem uma hora ou rezassem quietos, curtindo suas próprias preces, como os bons narcisistas-descolados-demais-para-interagir-com-outros-seres-humanos da nova geração, eu penso, mas me pego, vez ou outra, apostando comigo mesma qual será a hora em que vai começar a badalação do dia, deixo afazeres para antes ou depois e aproveito para fazer um lanche bem na hora da bateção, aproveitando para encobrir o barulho do microondas e não ter que dividir a comida.
Hoje o sino não tocou e eu fiquei um tanto desapontada, quis ir lá perguntar se estava tudo bem com o padre ou corcunda de Notre-Dame, oferecer um copo d'água e pedir, encarecidamente, que não saísse assim tão abruptamente da nossa rotina, pois não costumo usar despertadores para dar fim às sonecas da tarde; pensei em pedir que passasse aqui em casa e interfonasse quando preferisse encher a cara com o vinho da comunhão e não estivesse muito a fim de tocar sinos que ninguém presta atenção (eu presto atenção). É estranhamente agradável, em uma vida pautada na desorganização e nos pequenos desapegos diários, se irritar com uma mesma coisa todos os dias.
sábado, 28 de novembro de 2015
O gosto da cura
O seu corpo é gelado somente ali nas beiradas, nas esquinas e dobras de cada dedo, exatamente onde eu pretendo começar meu incêndio, alastrando fogo por toda a parte, aquecendo suas orelhas, chamuscando suas incertezas, te derretendo feito manteiga.
A sua pele dissolve em água fria, como papel ou pastilha efervescente, que você joga em um copo meio cheio - ou meio vazio -, e espera que te cure das dores reais e inventadas ou que faça passar mais rápido os domingos e o meio-dia, que nunca chega quando se quer almoçar.
Eu te quero queimando e efervescendo sem saber o que te acontece. Vou te ensinar a dormir no silêncio e no escuro e te mostrar como se faz para conversar sem usar palavras; vou te esquentar com as mãos e te desmanchar beijo a beijo.
A sua pele dissolve em água fria, como papel ou pastilha efervescente, que você joga em um copo meio cheio - ou meio vazio -, e espera que te cure das dores reais e inventadas ou que faça passar mais rápido os domingos e o meio-dia, que nunca chega quando se quer almoçar.
Eu te quero queimando e efervescendo sem saber o que te acontece. Vou te ensinar a dormir no silêncio e no escuro e te mostrar como se faz para conversar sem usar palavras; vou te esquentar com as mãos e te desmanchar beijo a beijo.
quinta-feira, 12 de novembro de 2015
Acesso
quero espetar essa veia
azul e cheia
que você carrega
no braço e
tirar seu sangue
até ter espaço
em você
para mim
azul e cheia
que você carrega
no braço e
tirar seu sangue
até ter espaço
em você
para mim
sexta-feira, 9 de outubro de 2015
Fim do mundo
Você sabe que o sol vai morrer, em quatro ou cinco bilhões de anos o sol vai apagar, um gigante entediado vai apertar o interruptor do universo e desligar a nossa luz para que possamos dormir, vai levantar o planeta inteiro entre o indicador e o polegar e embalar o nosso sono na palma da mão, vai desejar boa noite, dar um beijo e caminhar por cima das estrelas até nenhuma mais conseguir brilhar.
Toda quarta-feira é dia do mundo acabar, todo mês tem um eclipse raro que só pode ser visto a cada setenta anos, todo ano o inverno fica um pouquinho mais quente - é o sol chegando mais perto para se despedir. E, talvez, o mundo acabe em um sábado e não em uma quarta-feira, eu sei, que injusto a gente ter que trabalhar a semana inteira sem qualquer apocalipse para descansar os pés - e logo no sábado, sábado a gente tinha combinado de tomar aquela cerveja. Fazer o quê?, imprevistos acontecem. Mas não dá pra remarcar? Remarcar o fim do mundo?, não, não dá, vai ter que ser no sábado mesmo. E a nossa cerveja? Pode ser na quarta-feira, o mundo ainda vai estar lá, a gente senta na esquina do seu prédio e olha as estrelas que não foram ainda esmagadas. Quarta-feira eu não posso, enquanto o mundo estiver por aqui, eu acordo cedo no dia seguinte.
Não vou conseguir dormir ou trabalhar essa semana esperando o sol ser levado embora, vou subir no telhado e estender um cobertor para ficar bem de olho nos movimentos da galáxia, não quero perder a melhor parte e ter que assistir a reprise na televisão, quero ser expelida para uma nova dimensão da primeira fileira, com ou sem emoção?, sempre com emoção e, caso mude de ideia ou não tenha outros planos, vou guardar um lugar pra você ver o fim do mundo aqui do meu lado.
Toda quarta-feira é dia do mundo acabar, todo mês tem um eclipse raro que só pode ser visto a cada setenta anos, todo ano o inverno fica um pouquinho mais quente - é o sol chegando mais perto para se despedir. E, talvez, o mundo acabe em um sábado e não em uma quarta-feira, eu sei, que injusto a gente ter que trabalhar a semana inteira sem qualquer apocalipse para descansar os pés - e logo no sábado, sábado a gente tinha combinado de tomar aquela cerveja. Fazer o quê?, imprevistos acontecem. Mas não dá pra remarcar? Remarcar o fim do mundo?, não, não dá, vai ter que ser no sábado mesmo. E a nossa cerveja? Pode ser na quarta-feira, o mundo ainda vai estar lá, a gente senta na esquina do seu prédio e olha as estrelas que não foram ainda esmagadas. Quarta-feira eu não posso, enquanto o mundo estiver por aqui, eu acordo cedo no dia seguinte.
Não vou conseguir dormir ou trabalhar essa semana esperando o sol ser levado embora, vou subir no telhado e estender um cobertor para ficar bem de olho nos movimentos da galáxia, não quero perder a melhor parte e ter que assistir a reprise na televisão, quero ser expelida para uma nova dimensão da primeira fileira, com ou sem emoção?, sempre com emoção e, caso mude de ideia ou não tenha outros planos, vou guardar um lugar pra você ver o fim do mundo aqui do meu lado.
quinta-feira, 3 de setembro de 2015
12 de junho
Naquele dia pensamos em pular do vigésimo segundo andar, fugir da pequena reunião de pessoas aglomeradas no apartamento e sentar na beira da piscina de mãos dadas com os pés encostando na água. As luzes lá embaixo nos convidavam a escapar do murmúrio constante de assuntos irrelevantes e passar a noite planejando o próximo fim de semana, o próximo ano, a próxima vida, todas as vidas que passaríamos juntos contando um para o outro histórias ruins sobre nossos dias medíocres, histórias desnecessárias e fascinantes, naquele momento eu poderia ouvir, até pelo tempo que fosse uma eternidade, todas as futilidades que você quisesse me contar, poderia inventar personagens e castelos e gnomos e fadas para o assunto nunca acabar.
Naquele instante eu poderia ter pulado, naquele exato momento em que você tirou meu brinco e colocou na sua orelha, naquele segundo arrastado em que eu segurei sua mão e mentalmente te fiz prometer que pularia comigo vinte e dois andares abaixo onde aquela noite não acabaria, te fiz prometer que não me soltaria durante a queda e nem durante o tédio que eventualmente poderia instalar-se entre nós; te pedi tanta coisa em silêncio e, contudo, continuamos ali, paralisados, ora nos olhando nos olhos, ora encarando o chão distante, não nos prometemos nada, não esgotamos todos os assuntos possíveis, perdemos a oportunidade de cair em uma dimensão exclusivamente nossa, perdemos a chance de sermos nós.
Hoje talvez você mal se lembre daquele momento em que poderíamos ter pulado, mas, dentro de mim, estou desde então te esperando lá embaixo.
Naquele instante eu poderia ter pulado, naquele exato momento em que você tirou meu brinco e colocou na sua orelha, naquele segundo arrastado em que eu segurei sua mão e mentalmente te fiz prometer que pularia comigo vinte e dois andares abaixo onde aquela noite não acabaria, te fiz prometer que não me soltaria durante a queda e nem durante o tédio que eventualmente poderia instalar-se entre nós; te pedi tanta coisa em silêncio e, contudo, continuamos ali, paralisados, ora nos olhando nos olhos, ora encarando o chão distante, não nos prometemos nada, não esgotamos todos os assuntos possíveis, perdemos a oportunidade de cair em uma dimensão exclusivamente nossa, perdemos a chance de sermos nós.
Hoje talvez você mal se lembre daquele momento em que poderíamos ter pulado, mas, dentro de mim, estou desde então te esperando lá embaixo.
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