segunda-feira, 25 de maio de 2015

Corante amarelo

n° 3
você abre os pacotes
vermelhos, brilhantes
eu coloco na boca e
já sinto minha pele
começar a coçar

você não leva a sério
meu edema de glote e
me enfia no estômago
duzentos e cinquenta gramas
de salgadinho

com uma das mãos
seguro uma ampola
de adrenalina
digo que é para o caso
de eu, por acaso,
perder todo o ar

n°5
você lambe os farelos
dedo por dedo
sem qualquer pressa de me salvar

mas não quero que pare de me oferecer
salgadinhos de milho
e beijos crocantes,
pode até me beijar enquanto liga pra ambulância

terça-feira, 12 de maio de 2015

Impressionismo

Olhando daqui de longe, o Cristo Redentor parece apenas uma antena de rádio, tão cinza e pequeno e perdido no meio da montanha.
Não uso óculos para corrigir minha miopia, gosto da cidade borrada e fora de foco, gosto dos rostos irreconhecíveis me sorrindo à distância e de ir descobrindo cada traço conforme vou me aproximando. O dia, para mim, é uma mistura de cores e de formas, nada nunca está alinhado com nada, as pessoas são de aquarela e a paisagem está sempre em contínua transformação, da vanguarda pós-moderna ao conservadorismo cristão.
Às seis horas da tarde, quando são ligados os postes da rua, as luzes perdem os seus limites e vejo apenas imensas bolotas laranjas flutuando sobre os borrões apressados que passam de um lado para o outro. Não me importo em conhecer nada em detalhes, não me interesso por simetria ou organização, o caos me é absolutamente encantador.
Você, entretanto, destoa de todo o resto, estragando minha vida em Monet com sua perfeita nitidez, fecho os olhos e te resgato diariamente do meu pequeno museu impressionista ao qual você obviamente não pertence; mas, por sorte ou ironia do destino, lá é onde você reside.