terça-feira, 10 de junho de 2014

Inverno no rio

No rio de janeiro você não precisa de ninguém para te aquecer, faz calor aqui o ano inteiro, e os poucos dias de inverno são insuficientes para te fazer esquecer que o bom mesmo é dormir sem roupas e sem braços quentes duplicando o seu suor. O ventilador dos quartos constantemente ligado me provoca uma inveja dolorosa das cidades que proporcionam aos seus habitantes ao menos um ou dois meses de frio, mas quem vive no calor sabe bem como usar panfletos de papelão duro para se abanar e como arranjar os momentos de isolamento indispensáveis para encontrar suas pequenas alegrias diárias.
Eu, particularmente, gosto das camas enormes e desnecessárias em que não faz diferença se mais alguém dormir ou não ali, você pode dormir com os braços abertos e pegar todo para você o pouco de vento que a madrugada oferece, gosto das pessoas que não ultrapassam o limite implicitamente demarcado, gosto dos ônibus vazios e de maldizer as pessoas que sentam-se ao meu lado transmitindo o calor do corpo através do estofado, gosto de andar pela rua sem dar as mãos e sem precisar secar o suor de alguém na minha própria calça, gosto de acenar de longe e de mandar mensagens de texto, de comentar sobre um filme bom que eu vi sozinha no meu quarto com o ar-condicionado ligado, gosto das pessoas que conversam sem te tocar, gosto de pegar com a colher o sorvete meio derretido que escorre para o fundo do pote sem ninguém me observar, gosto de deitar no chão da cozinha para me refrescar e de grudar a língua na parte interna do congelador.
Nós que somos cariocas aprendemos desde pequenos a independência que o calor traz, aprendemos a montar piscinas improvisadas que só comportam uma pessoa, aprendemos a encontrar sozinhos o caminho de volta do mar até a barraca dos nossos pais, aprendemos a mentir e trair amizades para tomar banhos longos e desejados, aprendemos boas técnicas para abrir garrafas de cerveja, aprendemos a levar na bolsa uma muda de roupas para emergências e, principalmente, aprendemos a usar os melhores cubos de gelo no nosso próprio copo.
No rio de janeiro não tem chocolate quente e não tem hora do chá, não tem dormir abraçado e não tem lareira ou coberta de lã, a gente dorme sem meia e arde a pele quando encosta em outro pé, não tem festa no telhado e não tem dia de neve para ligar para alguém que queira ficar com você de casaco e enrolado, no rio de janeiro você tem que ficar com alguém por amor mesmo, não para se esquentar.

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