terça-feira, 28 de junho de 2011

Procura-se

Sempre pensei como adulto, sempre sofri como adulto, mas agora, relendo alguns diários e textos antigos, vejo páginas e mais páginas contendo apenas pensamentos de criança, que criança é essa que aparentemente eu fui e nunca conheci?
Fiquei tentando encontrar uma explicação para entender essa distância tão grande entre o que eu achava que sentia e o que eu sentia de verdade, ou o que eu deixava transparecer através de palavras coloridas com canetas hidrocor, cada letra de um tom diferente de rosa, e só consegui pensar em uma coisa: talvez a intensidade de algumas idéias e pensamentos seja tão grande (para mim e para qualquer um) que quem os têm em mente acaba por sentir-se mais maduro e mais adulto apenas pelo fato de tê-los. Uma vez a pessoa sendo arrebatada por esses sentimentos tão assustadoramente desconhecidos e não conseguindo compreender a si mesma, ela acaba achando (como eu também acho) que aquilo só pode ser um sentimento, um sofrimento, um pensamento de adulto, já que nos acostumamos a relacionar a vida adulta com conceitos de sabedoria e maturidade e compreensão de certas lógicas e fatos que uma criança jamais teria a capacidade de entender, a incompreensão, portanto, nos leva a amplificar o sofrimento. Porém, quando tudo o que parece tão grande dentro da cabeça é transcrito para o papel, podemos perceber toda a imaturidade inoculada em lágrimas para a qual estávamos cegos, lendo você consegue avaliar as próprias palavras como se fossem de outra pessoa e, bem, as outras pessoas sempre parecem tão infantis e egocêntricas, não é mesmo? Sim, elas são, e você também é, e eu também sou, mas é impossível perceber isso se não nos olharmos de fora e não nos abrirmos para a análise crítica e impiedosa de nós mesmos, nós que, infelizmente, insistimos em sofrer como adultos por coisas de criança.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Suco de gente

Dizem que se você andar na rua olhando para as costas de uma pessoa por tempo o suficiente, ela, eventualmente, vai se virar para te olhar. O que aconteceria? Como as outras pessoas sentiriam nossos olhares sem nos ver? Alguma radiação sairia do fundo das pupilas (dilatadas pela sombra das cabeças) para o corpo do outro ou o quê? Imagino que a presença de um estranho colado na sua traseira incomode ou, no mínimo, instigue a curiosidade, ou qualquer coisa que deixe de fora a filosofia e a psicanálise. Acho difícil opinar pois, desde que li essa teoria, tenho me sentindo um tanto quanto invisível, passo o dia encarando nucas e ninguém nunca, em nenhum momento, sentiu a necessidade de olhar para trás - e me ver ali.
Observei junto com isso o limpar de lágrimas com o polegar, "Não fique assim, vai dar tudo certo" e você vai e entrega sua mão como pára-brisa de rostos tristes, mostra-se próximo, mostra-se sem receio de contarminar-se com os sentimentos alheios, apenas mostra pois, quando o outro menos espera, lá está você pondo-se a esfregar de volta os dedos enlagrimados nas costas do mesmo indivíduo cujas lágrimas acabou de limpar, devolve esse suco de sentimentos antes que suas próprias mãos os absorvam, e cria um círculo de tristeza em volta da pessoa que não consegue ver para onde suas lágrimas escoam, invisíveis são as lágrimas, invisíveis são os pequenos gestos - se vistos com uma lupa podem até mesmo ser inexistentes.
A tristeza e a compaixão forçada que frequentemente nos sentimos obrigados a unir em uma mesma cena, para mim, são o mesmo que o despreocupado que sai pelas ruas e o outro que vai encarando seu pescoço por trás, o de trás é lágrima o da frente é polegar, se a lágrima te encara por tempo demais você se sente impelido a limpá-la com esse mesmo polegar. Talvez, então, eu não seja invisível, apenas não tenho lágrimas, ou nunca consigo me fixar na mesma nuca pelo tempo que é preciso para que ela olhe para trás - e me veja ali - quando ela se vira eu já não mais estou, fui atrás de outro pescoço, persegui outro transeunte sem rosto até a porta de casa, encarei outro polegar por mais de um segundo esperando que ele entendesse e pegasse um colírio e me criasse lágrimas - para depois limpá-las.
O tempo suficiente de cada nuca (para se virar) e de cada polegar (para servir de toalha) são constantes, me parece, mas as lágrimas secam e quem anda na rua nem sempre vai para o mesmo lugar, polegares e nucas precisam ser mais rápidos na hora de secar lágrimas e olhar para trás, antes que as lágrimas evaporem e chovam novas dores em cima de quem não se ofereceu para arriscar-se a guardá-las nas veias, antes que quem anda atrás se canse, ou se distraia com um outro pedestre ou com um saci - olhe para trás enquanto ainda estou aqui.

sábado, 11 de junho de 2011

Solidão: modo de usar

vamos esconder
essa falsa solidão
ou correr para o vazio
e escolher não ter lugar

lá se vai o herói
entre o crime e a loucura

vive a distância
e não calcula os prejuízos
da luta para provar
quem precisa menos um do outro

se dissolve
em água quente
e na tragédia de Brás Cubas
e no fim desse namoro
que não termina nunca

só sobra eu e você (e a solidão)